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As políticas de habitação em Portugal: “Casas sim, barracas não!”


Em pleno século XXI ainda há quem viva em barracas em Portugal, fazendo com que o direito à habitação para muitos cidadãos portugueses, enquanto conquista de abril e plasmado na Constituição Portuguesa de 1976, ainda esteja por cumprir.


Durante a Monarquia Constitucional, de 1820 a 1910, segundo Gonçalo Antunes “não houve nenhuma política de habitação”. Neste período, os crescimentos urbanos e industriais fizeram surgir bairros operários e habitações precárias em Lisboa, no Porto e noutras cidades, mas a habitação era dominada pelo setor privado, com pouca ou nenhuma intervenção estatal. Surgiram em 1864 as primeiras leis urbanísticas, como a Lei Geral das Obras Públicas, que focava mais na infraestrutura do que na habitação. “E portanto, as questões habitacionais, digamos, assim, estavam muito correlacionadas com questões higiénico-sanitárias e com preocupações, sobretudo que eram preocupações de saúde pública”, acrescenta o geógrafo.


Gonçalo Antunes adianta, a título de curiosidade que, no Parlamento “pelo menos sete projetos de lei estiveram em discussão”. “As discussões foram muito interessantes também do ponto de vista teórico, portanto, eram discussões inclusivamente acaloradas, porque nem todos estavam de acordo com aquilo que se pretendia fazer”, avalia, revelando ainda que “as propostas eram muito diferentes entre si”. “Algumas eram aquilo que nós podemos identificar nos dias de hoje, como promoção direta e habitação pública, porque as entidades públicas iriam constituir-se proprietárias e fazer arrendamento social, chamemos assim”, explica o especialista. Portanto, de acordo com o estudo que realizou tratavam-se de medidas “bastante progressistas” para altura, em que “a esmagadora maioria” das propostas eram propostas de promoção indireta. “Ou seja, a administração pública dava benefícios a outros, aos privados, às cooperativas para eles construírem. Como estariam a construir com benefícios, iriam depois colocar as casas no mercado de compra ou de arrendamento mais baratas, mas na verdade nunca se passou na discussão”, descreve.


Com a proclamação da República em 1910 e a instabilidade política vivenciada - que o balanço de 45 governos em 16 anos atesta – devido a conflitos internos e sociais, incluindo greves, agitação operária e anticlericalismo não houve novidades consideráveis além da criação da habitação económica como tentativa de mitigar o aumento das barracas nas áreas urbanas.


“Apesar da Primeira República ser tida como muito vanguardista e progressista nas questões habitacionais, realmente, entre 1910 e 1918 não se fez nada de extraordinário”, afirma. “A primeira política de habitação aparece em 1918”, atira Gonçalo Antunes. Mas não é uma medida propriamente “filha” da Primeira República, porque ela “esteve suspensa” durante a governação de Sidónio Pais que, tendo decretado alterações à Constituição, introduziu um regime presidencialista num “República Nova” que terminou, pouco tempo depois, com o respetivo assassinato.


“A política em questão assentava em benefícios a atribuir a privados para construírem e depois colocarem no mercado de arrendamento mais barato”, explica o especialista. Mas não resultou. “Aliás, não se conhece nada que tenha sido construído ao abrigo dessa política. É possível que tenha sido construído alguma coisa, mas não se conhece nada”, revela.


No ano seguinte surge uma medida diferente de investimento direto estatal: “Era claramente de habitação pública, ou seja, era promoção direta. A administração pública, neste caso o Ministério do Trabalho investia, construía e ficava propriedade pública. E depois havia uma gestão pública e as pessoas pagariam uma renda social ao próprio Ministério.


Estas opções de promoção direta ou indireta de arrendamento acessível alimentam uma discussão que, segundo Gonçalo Antunes, dura há mais de um século: “É uma discussão que já existia há 150 anos. Era uma discussão que já existia internacionalmente também, ninguém sabia muito bem como fazer e hoje em dia, no século XXI, é uma discussão que se mantém.


A participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial (1916–1918) também agravou esta instabilidade e as dificuldades económicas existentes levando ao Golpe Militar de 28 de maio de 1926.
Se no início a Ditadura Militar reprimiu a oposição e centralizou o poder, depois o Estado Novo (1926–1974) instituiu um regime corporativista, autoritário e nacionalista que se refletiu, em matéria de habitação, na "Casa Portuguesa", a promoção de habitação tradicionalista e associada à "moral e família", e no urbanismo controlado, criando-se por exemplo em 1938 o Plano de Urbanização de Lisboa que impulsionou o crescimento das periferias.


Existia uma atenção dada à construção de bairros sociais para classes trabalhadoras e militares, como os Bairros de Casas Económicas e os Bairros de Casas para Famílias Pobres mas estes investimentos deixaram grande parte do país rural em condições precárias.


“Algumas das principais políticas da habitação social do Estado Novo eram dirigidas em específico para o funcionalismo público, por exemplo, para beneficiar uma classe média urbana em ascensão para, no fundo, criar uma camada de apoio ao regime”, acrescenta o geógrafo. No entanto, o défice habitacional aumentou nas décadas de 1950 e 1960, com a explosão demográfica e a migração rural-urbana e os bairros de barracas engoliram as periferias metropolitanas.

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