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updated 11:43 AM UTC, Feb 23, 2024
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ESTEJA ATENTO: a Plural&Singular faz 10 anos e vai lançar a 28.ª edição da revista digital semestral que dá voz às questões da deficiência e inclusão

Cândida Proença: “Não estou muito otimista em relação ao futuro, uma vez que vivemos momentos conturbados e de difícil gestão”.

Quem a conhece não resiste à doçura, sensibilidade e inteligência. Cândida Proença, como a própria o afirma, é também decidida, corajosa e teimosa. Todas estas características foram e são essenciais para o percurso de vida que tem feito, na forma como encara as dificuldades, como abraça a profissão , a família que tanto estima, os amigos que acarinha e os projetos em que se envolve. Esta entrevista sai na Plural&Singular, praticamente, em simultâneo da edição segundo livro que escreveu: “Voos de luz e sombra”, um livro de contos que nos faz viajar pelo universo feminino cheio de contrastes.


01- Quem é a Cândida?
Cândida Proença (CP) - Chamo-me Cândida, tenho, atualmente, 50 anos. Tenho Esclerose Múltipla, diagnosticada em 1992, altura em que frequentava a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Licenciei-me em Línguas e literaturas modernas, tendo exercido a profissão de docente. Em 2018, foi-me diagnosticado carcinoma mamário. Fui submetida a uma mastectomia radical com retirada de gânglios linfáticos. Durante as duas primeiras décadas com Esclerose Múltipla, consegui ter uma vida ativa, exercendo a minha profissão, casei e tive um filho, que é finalista do curso de Direito. Considero-me uma mulher decidida, corajosa e teimosa. Em 2015, fraturei a tíbia e o pé, o que precipitou a evolução da incapacidade motora. Passei a necessitar de uma cadeira de rodas, quando anteriormente, usava um andarilho. A minha relação com a deficiência tornou-se efetiva. O fantasma da cadeira de rodas veio para ficar. Tive de me adaptar às novas necessidades e comecei a perceber as verdadeiras dificuldades que uma pessoa com mobilidade condicionada enfrenta no quotidiano. Decidi, então, elaborar roteiros de Turismo Inclusivo, passando a testar as acessibilidades físicas de monumentos, de forma a dar a conhecer os lugares que preenchem os requisitos necessários para receber os visitantes com diversidade funcional.

02. Como foram os últimos 10 anos da sua vida?
CP - Os últimos dez anos da minha vida têm sido difíceis. Passei por um divórcio não consensual. Morava em Trancoso, no distrito da Guarda, tendo regressado a Coimbra, após a separação. Devido a carência económica, voltei a morar com os meus pais que têm desempenhado o papel de cuidadores. Posso afirmar que o facto de ter uma família unida e coesa é essencial para preservar o ânimo e a vontade de viver da forma mais plena possível. O diagnóstico de cancro da mama é aterrador para qualquer pessoa. O mesmo diagnóstico numa pessoa fragilizada por três décadas de Esclerose Múltipla é sentido como uma injustiça da vida. Porém, se por um lado, foi doloroso passar por todo o processo de tratamentos antineoplásicos, por outro lado, ao ter consciência da imprevisibilidade e finitude da vida, sinto uma urgência em viver o presente e tentar ser fator de soma na vida daqueles que me rodeiam.

03. Quais foram os momentos mais marcantes?
CP - Os momentos mais marcantes destes últimos dez anos foram a perda da mobilidade, o diagnóstico do cancro e a publicação dos meus dois livros. Dois destes dois acontecimentos foram dolorosos, o último foi um bálsamo. Pela positiva, quero realçar o projeto de testagem de acessibilidades e a consequente elaboração de roteiros de Turismo Inclusivo. Não posso deixar de focar que tenho conhecido pessoas extraordinárias que lutam por uma sociedade mais justa e inclusiva. É o caso da Sofia Pires e da Cláudia Pires. Participei num projeto promovido pelo Núcleo de Inclusão de Guimarães, em Junho de 2019, que me fez refletir sobre a deficiência e a importância de a desmistificar. Em julho de 2023, participei num Bootcamp, novamente em Guimarães, no qual convivi com pessoas que me marcaram pela resiliência, pela luta por uma sociedade que inclua a todos. Em 2021, publiquei um livro de crónicas intitulado “Cicatrizes no Corpo e na Alma”, no qual partilho alguns episódios da minha “caminhada” como pessoa com deficiência, e sobretudo, como alguém que quer continuar a aprender e a lutar por uma sociedade que não discrimine quem é diferente.

04. Como avalia os últimos dez anos na vida das pessoas com deficiência?
CP - Penso que, nos últimos 10 anos, tem havido progressos lentos no intuito de integrar as pessoas com deficiência na sociedade. Contudo, o acesso ao mercado de trabalho é limitado. A pessoa com deficiência não concorre a um posto de trabalho em pé de igualdade com os outros candidatos. Segundo estatísticas recentes, o trabalhador com deficiência é mais assíduo e pontual do que os funcionários ditos “normais”. Sou da opinião que esta situação acontece porque a pessoa com deficiência quer provar que merece o seu cargo e que é digna da confiança que depositaram nela. Em termos sociais, tem havido algumas melhorias a nível dos apoios como a PSI (Prestação de Inclusão), o projeto de vida independente CAVI que tem como objetivo permitir a inclusão e a independência de todos os cidadãos com limitações.

05. Em que áreas foi mais positiva a evolução?
CP - Quanto a mim, penso que na área do turismo, se tem notado uma evolução positiva. Há uns anos, era raro ver pessoas que se deslocam de cadeira de rodas em espaços públicos, muito menos a passear pelo país. As viagens eram vedadas a quem tem dificuldades de locomoção. Neste momento, existem vários elementos da comunidade que se preocupam com as acessibilidades. Pela positiva, destaco a empresa Parques de Sintra que coloca à disposição dos utilizadores com limitações motoras vários mecanismos, de forma a poderem usufruir dos espaços de forma autónoma. Os monumentos geridos pela empresa supracitada têm um sistema de tração que acopla à cadeira de rodas manual, permitindo uma visita segura e prática, bem como rampas de acesso e instalações sanitárias adaptadas. Em termos de produtos de apoio, devo dizer que, através do meu médico fisiatra, me foi doada uma scooter de mobilidade que me permite ter mais autonomia nas minhas deslocações. Quando participei no Bootcamp de junho, não precisei de importunar ninguém para empurrar a cadeira de rodas na bela, mas pouco acessível cidade de Guimarães.

06. O que ficou por fazer?
CP - Tanta coisa! Resido em Coimbra, cidade universitária de renome, mas que tem falhado em termos das acessibilidades. É lamentável, mas a Faculdade de Direito não tem acessibilidades para possíveis estudantes com necessidades especiais em termos de locomoção. Vários monumentos continuam inacessíveis apesar de serem ícones da cidade. Existem tribunais e espaços públicos que não oferecem qualquer tipo de acessibilidade, o que é um transtorno grave. O acesso ao ensino, à cultura, ao lazer e ao turismo estão consagrados na Constituição e na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Contudo, ainda existem várias lacunas a esses níveis.

07. A comparação inevitável: como Portugal se posiciona em relação aos restantes países europeus?

CP - Penso, pela minha parca experiência, que existem vários países europeus que se destacam pela positiva em termos de integração da pessoa com deficiência, e no que toca ao turismo acessível. Os apoios sociais são parcos no nosso país e ficam aquém do necessário. Ainda existe a cultura do “coitadinho”, do “deficiente”, embora o olhar dos outros esteja a mudar progressivamente.

8. Como acha que vão ser os próximos 10 anos para as pessoas com deficiência?
CP - Não estou muito otimista em relação ao futuro, uma vez que vivemos momentos conturbados e de difícil gestão. Primeiro, fomos “apanhados” pela pandemia de Covid-19. Depois surgiu a guerra na Ucrânia. A inflação está ao rubro, o que põe em causa o bem-estar da população. Em termos médicos, durante a pandemia, não foram realizados muitos rastreios, o que provocou uma situação de atraso no diagnóstico das doenças crónicas e das doenças do foro oncológico. Existem doentes que esperam há mais de dois anos por uma junta médica. Quando os doentes veem os seus direitos reconhecidos, entidades como a segurança social não paga os retroativos devidos. Temo que os mais fragilizados, nomeadamente, as pessoas com deficiência, vejam as suas condições de vida piorar.

09. Como deseja que sejam os próximos 10 anos da sua vida?
CP - Como doente oncológica e com patologia neurológica, desejava poder manter a situação do cancro controlada. Em termos da Esclerose Múltipla, não havendo hipótese de melhorias, apenas desejo não perder a autonomia que ainda possuo. Gostaria de continuar a testar as acessibilidades físicas do nosso país, de forma a dar a conhecer as boas práticas de turismo.


10. Que mensagem deixa à Plural&Singular pelos 10 anos de existência?
CP - Congratulo a Plural&Singular pelo trabalho desenvolvido em prol de uma sociedade consciente, inclusiva e dotada de ferramentas para mudar o que ainda está aquém do que os cidadãos necessitam para ter uma vida pautada pela produtividade, o acesso à cultura, ao ensino e ao lazer. Aqui fica o meu genuíno agradecimento à Sofia Pires e à Cláudia Pires, que tenho o privilégio de ter como amigas. Continuem este meritório projeto.

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