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updated 11:43 AM UTC, Feb 23, 2024
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ESTEJA ATENTO: a Plural&Singular faz 10 anos e vai lançar a 28.ª edição da revista digital semestral que dá voz às questões da deficiência e inclusão

David Fonseca: "Uma das resoluções mais importantes é simplesmente a educação que temos na infância, a partir dai é que vamos moldar as mentalidades com ação"


Formado em Engenharia de Reabilitação e Acessibilidade Humanas pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, David Fonseca sempre foi muito ativo no âmbito da infoacessibilidade em todas as entidades por onde passou. Já foi presidente da SUPERA - Sociedade Portuguesa de Engenharia de Reabilitação e Acessibilidade, faz parte da Associação de Surdos do Porto e, enquanto dirigente associativo e voluntário passou por mais entidades, nomeadamente como diretor do Boletim Informativo "Surdos Notícias" da Federação Portuguesa das Associações de Surdos. Trabalhou alguns anos na Portugal Telecom, mas é agora motorista de pesados e decidiu abrandar o ativismo para se dedicar mais à família, nomeadamente às filhas gémeas de nove anos.

01 – Quem é David Fonseca: como se vê e como as pessoas o veem?
David Fonseca (DF) - Eu vejo-me como uma pessoa que está sempre em buscas de novas formas acrescentar valor à vida, ultrapassar obstáculos quotidianos, ao longo da vida. Estou sempre a tentar fazer o melhor que posso em todas as áreas que me deparo. Penso que sou visto como uma pessoa mesmo muito persistente, que nunca desiste, às vezes isso afasta as pessoas porque a persistência acaba por incomodar no bom sentido, pelo menos resolvo o obstáculo seja de que maneira for. A minha vida familiar pessoal está estável de momento porque aprendi desde pequeno a ser um bom gestor de todos os aspetos, desde o bem-estar ao económico. Apesar de ser uma pessoa com Surdez profunda adquirida, fui educado a desenrascar-me perante os obstáculos a nível de comunicação, com a ajuda de um bloco de notas e uma caneta que me permite transmitir a mensagem de forma clara e sucinta, isso é o ponto fulcral.

02 - Como foram os últimos 10 anos na sua vida?
DF - Estes últimos dez anos de vida foram uma verdadeira aventura: sou pai de duas meninas gémeas de nove anos, que deram uma reviravolta à minha vida, totalmente. Trabalhei alguns anos na Portugal Telecom até à queda do grupo empresarial corporativo, onde tive a oportunidade de participar em alguns projetos fantásticos na área da infoacessibilidade. Depois tentei mudar um pouco as mentalidades através da minha liderança na Sociedade Portuguesa de Engenharia de Reabilitação e Acessibilidade Humanas (SUPERA), onde fui presidente por dois mandatos. Há cerca de quatro anos decidi parar com todas as atividades relacionadas com a infoacessibilidade porque o mundo está em constante mudança e temos de acompanhar as tendências económicas e fui tirar a carta de condução de pesados. Estou, desde 2018, a trabalhar como motorista internacional de pesados, já trabalhei com quase todo o tipo de camiões a nível de semirreboques, desde as lonas, transporte de palha, frigoríficos, porta contentores, porta carros, cisternas alimentares, cisternas de transportes de líquidos perigosos.

03 - Quais foram os momentos mais marcantes?
DF - O nascimento das minhas filhas gémeas. A liderança como presidente na SUPERA.

04 - Como avalia os últimos 10 anos na vida das pessoas com deficiência?
DF - Houve algumas melhorias, investimentos na área da inclusão, como o projeto de Vida independente e a pensão social da inclusão. De forma resumida, o grande problema de Portugal é a enorme carga fiscal que temos que impede sermos totalmente independentes, na área empresarial para as pessoas com incapacidade. Temos muito mais despesas a nível a produtos de apoio que são caríssimos, ter um teto para viver, as ajudas sociais são escassas, a acessibilidade da cidade ainda há muito por fazer. Uma pessoa com incapacidade a ganhar o ordenado mínimo não consegue viver totalmente independente, precisa de outras fontes de rendimento, por exemplo.

05 - Em que áreas foi mais positiva a evolução?
DF - Os contratos com os Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI) que vão gerir os assistentes pessoais. A infoacessibilidade tem melhorado bastante nas várias plataformas da internet, Android, IOS.

06 - O que ficou por fazer?
DF - Em todas as áreas ficou muito por fazer, os exemplos multiplicam-se por muitos milhões e são extensíveis a todos os setores e a todos mercados. O cada vez maior intervencionismo a que se assiste e as, cada vez mais, graves “falhas de governo” que provoca afetam o bom funcionamento do sistema de preços como transmissor de informação necessária para a tomada de decisões, aumentando a ignorância da sociedade e prejudicando o desenvolvimento económico.

07 - A comparação inevitável: como Portugal se posiciona em relação aos restantes países europeus?
DF - Portugal tem evoluído na inclusão social de pessoas com incapacidade: há cada vez mais estudantes com incapacidade no ensino superior e no mercado de trabalho e o risco de pobreza e exclusão social diminuiu com a ajuda da Prestação Social para a Inclusão (PSI). Contudo, o contexto pandémico vivido em 2020 e o consequente confinamento da população veio dificultar a entrada das pessoas com deficiência nas empresas e aumentou o desemprego. Durante o período pandémico, por exemplo, para as pessoas surdas irem a um posto de saúde não era fácil porque não há intérpretes e pessoas capazes de falar língua gestual. Não preciso de desenvolver mais, porque em cada país europeu existem as suas barreiras para cada incapacidade, barreiras. No meu caso como motorista internacional de pesados ando pela Europa toda, como sou apenas surdo e tenho uma boa capacidade de resistência física, isso [a surdez]não me impediu. É preciso mostrar ao empregador, quer seja privado ou publico, que somos capazes de executar as tarefas laborais. Uma das resoluções mais importantes é simplesmente a educação que temos na infância, a partir dai é que vamos moldar as mentalidades com ação.

08 - Como acha que vão ser os próximos 10 anos para as pessoas com deficiência?
DF - A nível da tecnologia vão melhorar bastante, agora a nível de empregabilidade das pessoas com incapacidade ainda é uma luta sem fim!

09 - Como deseja que sejam os próximos 10 anos na sua vida?
DF - A lutar por um mundo mais sustentável, equilibrado, transmitir os valores que aprendi às gerações mais novas.

10 - Que mensagem deixa à Plural&Singular pelos 10 anos de existência?
DF - Continuem a mostrar que nada é impossível, que tudo tem solução com um pouco de inteligência através do trabalho de equipa! Devemos sensibilizar todos os seres-humanos para pensarem um pouco, porque, como muita gente diz, “mais vale prevenir do que remediar…” e não podemos voltar atrás pois a vida só tem um sentido! Por isso a acessibilidade deve ser obrigatória em todas as áreas.

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