PERFIL: Mário Trindade – o atleta missão!
- Escrito por Paula Fernandes Teixeira
- Publicado em Desporto
No dia em que a comitiva lusa parte para o Brasil para participar nos Jogos Paralímpicos, a Plural&Singular recorda o “Perfil” (rubrica que integra a nossa secção de Desporto da revista digital trimestral) publicado em março de 2015 sobre Mário Trindade – o atleta Missão que integra a comitiva lusa rumo a Rio2016*
Diz que “nasceu duas vezes” e que “se pudesse” passava “24 horas em cima de uma cadeira de rodas, 365 dias por ano a dar voltas a uma pista”. Mário Trindade fez do desporto profissão e sentido de vida. Corre por gosto, corre por vocação, corre por Portugal, corre por causas! [peça com dados anteriores a março de 2015]
Texto: Paula Fernandes Teixeira
Fotos: Gentilmente cedidas
“Há quem calce umas sapatilhas Adidas… Eu calço umas sapatilhas que têm duas rodas…” – as palavras são de Mário Trindade, praticante de atletismo em cadeira de rodas.
Recordista nacional de 100 e 200 metros na classe T53, Mário Trindade, de 39 anos, desloca-se em cadeira de rodas desde os 18, após uma operação mal sucedida.
“Tornei a ser bebé. Aos 18 anos tive de aprender a fazer tudo: comer, beber, sentar-me”, contou à Plural&Singular.
Na infância, o atleta natural de Vila Real praticou atletismo e adorava andar de bicicleta, mas a primeira experiência no desporto adaptado foi o basquetebol em cadeira de rodas… Algo que nem acreditava que existisse, habituado a ver só “homens enormes a lançar para cestos altos” a praticar esta modalidade. Aos 22 anos, quando desafiaram a driblar a partir de uma cadeira de rodas pensou que se tratava de uma brincadeira… Acabou por jogar basquetebol durante dez anos, tendo sido chamado à seleção nacional nos dois últimos.
“Gostei muito, recomendo o basquetebol, mas era de correr que gostava. O bichinho do atletismo estava lá… Só que, em sentido semelhante ao meu desconhecimento sobre o basquetebol, achava que para correr tinha de ser com as duas pernas”, contou. LER PEÇA COMPLETA A PARTIR DA PÁGINA 70 DA 10.ª EDIÇÃO DA PLURAL&SINGULAR
Mário Trindade ‘em direto’
Plural&Singular (P&S) – A ida a Fátima em cadeira de rodas foi em 2008. Também era objetivo alertar para as barreiras de acessibilidade que as pessoas com deficiência encontram nos passeios, na via pública… E hoje, sete anos depois, como analisa o panorama atual?
Mário Trindade (MT) – Nota-se que todas as cidades têm vindo a tentar melhorar mas têm melhorado muito lentamente. Viseu é uma cidade bastante acessível. Ainda não é totalmente mas das cidades que conheço é a mais acessível. Como ando pelo país todo, noto muitos esforços, mas esforços lentos. Ainda existem muitas barreiras arquitetónicas. É uma luta porque não é fácil pelos custos que a acessibilidade acarreta. Mas pelo menos que as atividades que faço, e outras pessoas com deficiência também, sirvam para que as coisas que são feitas de novo já sejam erguidas sem barreiras.
P&S – Como descreve a primeira prova internacional? Foi em Espanha (2003), a meia-maratona de Bilbau… O ambiente fascinou-o, porquê?
MT – Adorei! O atletismo em cadeira de rodas mesmo aqui ao lado fascina muita gente. A meia-maratona são 21 quilómetros e durante 21 quilómetros ouvi pessoas a bater palmas e a chamar pelo meu nome. O espírito é semelhante ao da Volta à Espanha em Bicicleta… Aqueles milhares de pessoas a puxar pelos atletas… No atletismo em cadeira de rodas é igual. Essa prova tem uma subida de oito quilómetros com inclinação de 10% na maior parte do percurso… E eu fiz essa subida com tanta gente a puxar por mim que tudo se tornou fácil. Vamos buscar força interior onde nem sabemos que temos…
P&S – Esse espírito é diferente em Portugal?
MT – Eu se for fazer uma meia-maratona cá em Portugal, ainda hoje as palavras que ouço é ‘coitadinho, não lhe basta estar numa cadeira de rodas e vai ali com aquele sacrifício todo…’. A verdade é que eu posso estar em sofrimento, mas é um sofrimento que me dá muito prazer. Os portugueses ainda não percebem bem esse espírito… Costumo dizer que o atletismo para pessoas com deficiência em Portugal ainda não é visto como desporto. Mas estamos a falar de alta competição! Aquilo de passatempo não tem nada.
P&S – Criou, em 2008, a Associação Nacional de Atletismo em Cadeira de Rodas (ANACR)…
MT – Nós [a associação foi criada por Mário Trindade e por um grupo de colegas] por diversas vezes reclamamos sobre o facto desta modalidade não receber o devido apoio e reconhecimento em Portugal. Os atletas estão descontentes. A falta de informação faz com que existam poucos atletas em Portugal. Fartos de reclamar, decidimos passar à prática. A associação teve apenas uma verba do Estado: cinco mil euros do Instituto Português de Desporto e Juventude. E temos sobrevivido com as verbas dos associados… Já demos e recuperamos cadeiras a atletas… Também procuramos apoiar os atletas que competem internacionalmente com os gastos lá fora… É difícil, mas estamos confiantes no futuro por causa da união à Federação Portuguesa de Atletismo (FPA).
P&S – Concorda com a integração do atletismo adaptado na FPA?
MT – Sim porque acredito que a modalidade passará a ser olhada de outra maneira. Estou até em crer que a ANACR não precisará de continuar. Se a FPA trabalhar como tem feito até aqui, ainda que o percurso seja recente, sendo uma entidade nacional, tem condições para dar a esta modalidade no mínimo aquilo a que tem direito. Estamos no bom caminho… A inclusão das modalidades adaptadas em cada federação regular é o futuro. É assim que funciona em outros países onde os atletas estão satisfeitos.
A 3 de dezembro de 2007, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, bateu o recorde do Guinness de corrida em cadeira de rodas ao efetuar 183 quilómetros em pouco mais de 18 horas.
Teve que ultrapassar o então recorde de 181.147 quilómetros percorridos em cadeira de rodas no máximo de 24 horas.
Foi para a pista de atletismo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) às 05:00 e só saiu de lá depois de garantir dois objetivos: angariar dinheiro para ajudar duas irmãs portadoras de osteogéneses imperfeita residentes em São Miguel, no arquipélago dos Açores, e alertar as pessoas para as dificuldades vividas por pessoas com deficiência.
“Para muita gente foi o recorde do Guiness, para mim isso não foi a parte mais importante mas a vontade de ajudar duas amigas que tinham 39 anos e durante esses 39 anos não tinham saído de casa. Depois de bater o recorde ainda dei algumas voltas para garantir caso a contagem dos observadores não batesse certo com a minha e teria forças para mais, mas quis parar para que agora venha um novo tolinho fazer o mesmo, correr por um objetivo”, descreveu Mário Trindade.
Foram muitas as pessoas que durante todo o dia se deslocaram à UTAD para lhe dar apoio e na pista estiveram testemunhas independentes a fazer o registo de cada volta, cronometrando o tempo, num processo que foi previamente aprovado pelo Guinness.
*A Plural&Singular completa em dezembro quatro anos de vida. Ao longo do nosso percurso já publicamos 15 edições de revistas digitais trimestrais, tendo em todas elas tentado dar destaque quer à atualidade, quer às referências, marcos, efemérides e conquistas no que ao Desporto diz respeito. No entanto, lamentavelmente, não possuímos “Perfis” (rubrica que integra a secção desportiva) de boa maioria dos atletas que vão rumar ao Rio de Janeiro, Brasil, em setembro para representar as cores lusas. Estamos no entanto a tentar partilhar também no site o material relacionado com este evento que temos compilado nas revistas até ao momento, procurando com estes exemplos, reportagens, entrevistas, de alguma forma homenagear também os atletas, instituições e treinadores com os quais ainda não tivemos oportunidade de contactar. Boa sorte a todos!
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