Raquel Pereira
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A saúde sexual da pessoa incapacitada na investigação em Portugal
Apesar de algumas idiossincrasias, Portugal sempre acompanhou as principais evoluções relativas ao tema da incapacitação, até meados do século XX. No eclodir dos primeiros movimentos civis em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, nos EUA e Reino Unido, Portugal vivia sob o regime de ditadura salazarista, imune às influências externas de maior democratização. A pessoa incapacitada, com deficiência, era “escondida” e estava muito longe de estar incluída socialmente, prevalecendo para esta os serviços de carácter assistencialista assentes em dois tipos: as instituições de caridade e o cuidado prestado pela própria família. É desta altura a fundação de instituições como a Liga Portuguesa de Deficientes Motores (LPDM), para dar resposta ao surto de poliomielite que assolou o país durante os anos 50, e que atualmente promove serviços de apoio a crianças e adultos com incapacidade, bem como consultadoria a outras instituições. Surge igualmente a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) em 1972, face à insatisfação com as medidas de reabilitação profissional dos soldados feridos da guerra colonial, e que é atualmente uma das maiores associações nacionais de ativismo político na área da incapacitação.
Porém, só após a revolução do 25 de Abril de 1974 os movimentos associativistas nacionais ganham verdadeira visibilidade. Nesta altura, nascem várias organizações a nível local e nacional, compostas por pais, amigos e pelas próprias pessoas incapacitadas, como a Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA; 1974), Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho (ANDST; 1976), Associação dos Cidadãos Auto-mobilizados (ACA-M; 1998/1999). Como resultado, a Confederação Nacional dos Organismos Deficientes (CNOD; 1980) foi criada pela união de 35 organismos para ganhar maior poder político. Simultaneamente, a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, atual União Europeia, moldou as políticas legislativas nacionais no que diz respeito à incapacitação. Hoje em dia, a legislação nacional integra um regime de prevenção, qualificação, reabilitação e participação das pessoas incapacitadas, através de marcos como: a 1ª Lei de Bases de Prevenção, Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (1989); o 1º Plano de Promoção de Acessibilidade (2007); o 1º Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Deficiência (2006 a 2009). Apesar destas mudanças legislativas e do crescente movimento cívico, as mudanças sociais efetivas nem sempre foram concretizadas, já que foram prevalecendo preconceitos e discriminação face às pessoas incapacitadas a vários níveis. É o caso da sexualidade.
A sexualidade faz parte do desenvolvimento humano, sendo a saúde sexual definida pela Organização Mundial de Saúde como “um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social em relação à sua sexualidade”. Apesar do seu papel essencial na saúde em geral, no caso de pessoas com incapacidade, esta é frequentemente ignorada ou negligenciada pelos profissionais de saúde e pela sociedade em geral. Para tal muito contribuem crenças sobre a sua suposta assexualidade e/ou hipersexualidade que se têm consubstanciado numa permanente repressão da sua expressão sexual. Assim, de entre as várias esferas de vida, a sexualidade tem ficado sistematicamente no fundo da lista da luta pelos direitos das pessoas incapacitadas. Quando em países como a Holanda ou Dinamarca já se desenvolvem e implementam modelos de assistência sexual, em Portugal só recentemente o tema da sexualidade na incapacitação é objeto de atenção mediática. Em parte, muito se deve ao trabalho do grupo ativista Sim, nós fodemos, fundado em 2013 e liderado por Rui Machado. De igual forma, nesta secção da revista “Plural & Singular” – “Sexualidade e Afectos” - , tem-se procurado desconstruir mitos e preconceitos, e enaltecer a saúde sexual como um direito tão importante como a acessibilidade, a empregabilidade ou outros considerados básicos.
Mas qual tem sido o papel da investigação em todo este processo? O campo de estudos sobre a incapacitação não é firme em Portugal, mas têm sido desenvolvidos trabalhos académicos em diversas áreas disciplinares, desde a sociologia à medicina. No que diz respeito à sexualidade na pessoa incapacitada, foram sendo conduzidos estudos focados nas atitudes face à sexualidade na deficiência intelectual e nas questões do funcionamento, satisfação e reabilitação sexual de lesionados vertebro-medulares. Porém, esta investigação têm tido pouco impacto a nível social, já que não é consistente a forma como se traduz na prática profissional. Ou seja, apesar de haver cada vez maior sensibilização para esta questão, ainda são frequentes os relatos de uma inadequada ou inexistente abordagem à saúde sexual por parte dos profissionais que contactam com as pessoas incapacitadas.
No decurso destes acontecimentos, eu estava a estudar Psicologia. Enquanto estudante, cedo desenvolvi uma visão crítica sobre a construção social das minorias e das desigualdades sociais. E sempre me interessei pelas questões mais marginalizadas ou negligenciadas, como as questões de género, orientação sexual, incapacitação, e desejava poder contribuir para desconstruir mitos e preconceitos que nos impedem a todos nós de viver de forma mais plena e com dignidade. Fui sempre refletindo sobre como estas dimensões da (in)capacitação, da diversidade, seja a que nível for, nos tocam a todos, mesmo àqueles que se “ajustam” ou “conformam” mais às normas vigentes. Pois todos, seja em que circunstância for, veem as suas vidas condicionadas e empobrecidas por uma certa falta de liberdade em experimentar coisas diversas, em se relacionar com pessoas diversas, em se desenvolver de formas diversas, por causa do desequilíbrio de oportunidades e desafios ditados por estas normas. Porém, ao contactar com diferentes pessoas, e por muito difícil que fosse a comunicação, eu sentia mesmo assim algo em comum com todas elas. Então convencia-me de que aquilo que temos em comum – a condição humana -, é muito mais valioso do que o que nos distingue, e essa tornou-se uma máxima orientadora dos meus objetivos profissionais em prol do desenvolvimento e bem-estar individual e social.
No final do meu curso comecei a colaborar com a equipa do Professor Pedro Nobre, o Grupo de Investigação em Sexualidade Humana da Universidade do Porto (SexLab), e, assim, a dedicar-me mais à investigação. O nosso grupo desde logo valoriza a saúde sexual como uma dimensão primordial do bem-estar, procurando ter um papel na sensibilização social para os direitos sexuais. Com foco na investigação experimental, em laboratório, o SexLab tem por principal missão colocar o conhecimento científico ao serviço da prevenção e intervenção em problemáticas associadas às disfunções sexuais. Através de diversos projetos que tem a decorrer, tem vindo a alargar cada vez mais as temáticas e as populações-alvo da sua investigação em sexologia.
À medida que fui investindo mais na investigação, as questões das minorias, das desigualdades, continuavam a inquietar-me. Para uma pessoa incapacitada, com deficiência, seria possível atualmente viver de forma plena e com dignidade em Portugal? Certamente que seria, mas continuava a faltar muito para lá chegar, e uma das dimensões mais esquecidas continuava a ser a da sexualidade. Então, no despertar mediático para os direitos sexuais e a saúde sexual de pessoas incapacitadas, transitei para Doutoramento e decidi levar estas “inquietações” mais a sério. Aliando estas preocupações aos objetivos do SexLab, surgiu, em 2015, o projeto de investigação “Sexualidade e Incapacitação: Fatores cognitivo-afetivos da saúde sexual de pessoas com incapacidades físicas em Portugal”, ao qual me dedico diariamente.
Por questões exclusivamente metodológicas, este projeto foca-se na incapacidade física, como por exemplo, na pessoa com deficiência motora, neurológica, visual ou auditiva. Tendo em consideração o estigma social que todas estas condições partilham, o estudo que agora está a decorrer incide sobre os aspetos psicológicos (como determinados pensamentos, emoções, atitudes) que podem estar envolvidos no desenvolvimento e manutenção de dificuldades sexuais, algumas delas nunca antes estudadas em amostras de pessoas incapacitadas fisicamente. Esta investigação é importante para perceber quais as principais diferenças e semelhanças existentes entre os participantes com e sem incapacidade (quer desenvolvam ou não disfunção sexual) relativamente ao seu funcionamento e satisfação sexual, de modo a poderem planear-se intervenções mais adequadas às suas circunstâncias. O estudo, que se encontra em formato online aqui, estará a decorrer ao longo de um ano para permitir avaliar os efeitos dos pensamentos e emoções ao longo do tempo, clarificando o seu impacto na saúde sexual enquanto fatores de vulnerabilidade ou resiliência.
Com este projeto, espero que a investigação em sexologia em Portugal saia mais enriquecida. Mais importante ainda é, em contrapartida, que possa enriquecer o trabalho levado a cabo na promoção da saúde sexual na incapacitação. Por isso, é vital o contributo de todos, na participação e divulgação deste estudo, para que a sexualidade chegue de vez à agenda social enquanto assunto de prioridade. E para que o direito ao prazer e à saúde sexual possa chegar, efetivamente, a todos.
Algumas referências:
Cardoso, J. (2006). Sexualidade e deficiência. Coimbra: Quarteto
Garrett, A., & Martins, F., & Teixeira, Z. (2009). A actividade sexual após lesão medular – meios terapêuticos [Review Article] Acta Médica Portuguesa, 22, 821-826.
Loja, E., Costa, E., & Menezes, I. (2011). Views of disability in Portugal: ‘fado’ or citizenship? Disability & Society, 26(5), 567-581. doi: 10.1080/09687599.2011.589191
Nobre, P. (2006). Disfunções Sexuais. Lisboa: Climepsi Editores
Teixeira, P. M. (2010). Uma perspectiva histórica da incapacidade. In I. Menezes, E. Loja & P. Teixeira (Eds.). In/capacidade e in/diferença: do indivíduo deficiente à sociedade incapacitante – justiça social, cidadania e autonomia das pessoas incapacitadas. (pp. 105-123) Porto: CIIE/Mais Leitura.
World Health Organization. (2002). Defining sexual health: Report of a technical consultation on sexual health. Geneva: Special Programme of Research, Development and Research Training in Human Reproduction.
Nesta secção a Plural&Singular pretende disponibilizar estudos e trabalhos académicos desenvolvidos na área da sexualidade&afetos das pessoas com deficiência. Envie-nos a sua sugestão para Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Título: Atitudes e Crenças sobre a Sexualidade na Pessoa com Deficiência Mental - Um Estudo Comparativo de Familiares e Profissionais usando a Metodologia Q-Sorting DESCARREGAR PDF
Autor: Gama, Ana Sofia Ribeiro Silva da
Palavras-chave: Psicologia social, sexualidade, deficiência Mental, preconceito, discriminação, atitudes
Data: 2015
Editora: Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Resumo: Sobre a sexualidade das Pessoas com Deficiência Mental existem crenças partilhadas mais ou menos conscientes e explícitas relativas a questões tão diferentes como, a sua capacidade reprodutiva, a possibilidade de constituir família, ou o seu exacerbamento sexual versus assexualidade. Assim, apesar da atual atitude positiva face aos direitos mais gerais das Pessoas com Deficiência Mental, permanece uma certa ambiguidade no que diz respeito ao seu direito a viver uma sexualidade normal, e esta tem sido uma das áreas mais negligenciadas na intervenção junto das Pessoas com Deficiência Mental. O presente estudo, utilizando a Metodologia Q, junto de 12 familiares e 12 profissionais, tem como objetivo recolher as opiniões das pessoas que mais contactam e podem influenciar negativa ou positivamente o bem-estar das Pessoas com Deficiência Mental. Serão exploradas as diferenças de atitudes e crenças destes dois tipos de intervenientes e as suas expectativas relativamente aos homens e mulheres com Deficiência Mental em diferentes aspetos da sexualidade.
Os resultados obtidos confirmaram a hipótese geral de estudo de que existem diferenças estatisticamente significativas nas atitudes e crenças de profissionais por comparação aos familiares no que se refere à sexualidade da Pessoa com Deficiência Mental. Contudo, através dos estudos observados e da literatura vigente nem todas as hipóteses foram corroboradas, nomeadamente as que se prendem com os itens associados ao mito da assexualidade/hipersexualidade, do casamento e da reprodução, e das perceções dos inquiridos face às diferenças na sexualidade entre homens e mulheres com deficiência.
Por fim, atesta-se a necessidade de que todos os intervenientes sejam agentes participativos e educadores no processo de envolvimento da Pessoa com Deficiência em todas as dimensões da sua vida, mas só o poderemos fazer com êxito se acreditarmos que é possível progredir no processo global de reabilitação destas pessoas (Félix, 1995).
FÉLIX, I., Dinis, J. F., Sexualidade/Afectividade. Direitos das Pessoas com Deficiência, CERCIESTREMOZ/INR, 2009.
FÉLIX, I., MARQUES, A. M., E nós… somos diferentes?: sexualidade e educação sexual na deficiência mental, APF, Lisboa, 1995.
AMOR PAN, J. R. Afectividad y sexualidad en la persona con deficiencia mental, UPC, Madrid, 2000, 42-48.
LOUREIRO, M. A. S. Agora já não sou criança… SNRIPD, Lisboa, 1997.
LANÇA, C. (coord.) O sexo dos anjos ou os anjos sem sexo, CERCIAG, Águeda, 2009.
MARQUES, A. M. (coord.) Ser mais. Programa de desenvolvimento pessoal e social para crianças, jovens e adultos portadores de deficiência mental, APF, Lisboa, 2009.
Ana da Gama
Professora, investigadora e formadora
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Podemos conceber a sexualidade como o amor aliado ao prazer sexual, sendo a realização prática de todos os desejos à elevação do amor ao máximo, ou seja, o clímax. A sexualidade é um fenómeno social, cultural e biológico que conjuga os mais diversos fatores, tendo em conta as necessidades primárias ou biológicas e as necessidades secundárias, culminando assim numa tríade entre paixão, amor e necessidade.
O instinto sexual é algo que, desde os insetos ao ser humano, aparece de uma forma impetuosa, levando a certos comportamentos e gastando energias que só se justificam biologicamente porque tornam possível algo fundamental à vida: a propagação da espécie. Mas, se nas espécies inferiores como os insetos, répteis ou peixes, esse instinto se inicia e acaba com o ato sexual em si, à medida que se caminha para as espécies superiores, começa a verificar-se que muitas vezes o instinto também serve para criar laços ou relações mais ou menos fortes entre os parceiros sexuais. Normalmente, o objetivo é que ambos os progenitores ajudem na criação dos filhos, que é tanto mais complexa, demorada e exigente de cuidados quanto mais evoluída é a espécie. Frequentemente ela é apenas sentida como uma necessidade básica de satisfazer um impulso fisiológico, ou seja, do nosso corpo. Este impulso pode ser satisfeito em diferentes dimensões, por exemplo, através da masturbação, de um(a) parceiro(a) casual ou pago(a) para o efeito ou no seguimento de uma relação amorosa. Contudo, na maioria das vezes o “sexo pelo sexo” não é de modo algum completamente satisfatório em termos psicológicos e afetivos mas cabe a cada um de nós a escolha dos moldes por onde circunscrever a sua vida sexual, sendo que o limite deverá ser o nosso pensamento, que não raras vezes é afetado por tabus e preconceitos próprios do ambiente sociocultural e religioso em que se insere.
No âmbito de um projeto de educação sexual (projeto presse) realizado no Colégio Novo da Maia, onde Ana Gama leciona os alunos na disciplina de psicologia traçaram as respetivas conceções de sexualidade…
"A sexualidade representa a necessidade de cada ser humano de realizar os seus prazeres sexuais. É, assim, a forma biológica do corpo de transmitir os nossos desejos e vontades. É dependente de fatores culturais e sociais". Mariana Azevedo
"A sexualidade é um fenómeno biológico motivado pela intimidade, pelo amor-próprio e pelo amor ao outro, contribuindo para a construção da identidade e para o equilíbrio físico e psicológico do ser humano. Tudo o que se pode sentir e expressar e que conjuga a sua necessidade biológica e social de ser aceite na sociedade". Ana Silva
"A sexualidade é um fenómeno social, cultural e biológico que influencia sentimentos, ações, interações e até a saúde física e mental. Apesar de ser várias vezes confundida com o sexo, a sexualidade alia o amor, a necessidade e o prazer sexual, englobando a dimensão sensual e sexual. Esta parte integrante da vida de cada ser contribui para a sua identidade, para a descoberta e exploração, para a satisfação dos desejos do corpo e da mente. Por fim, podemos entender este universo relativo, paradoxal e, por vezes, preconceituoso como uma energia que remete para o contacto, intimidade e aceitação de cada um de nós". Raquel Torres
"A sexualidade é uma importante componente para o desenvolvimento pessoal de um indivíduo que define a sua identidade sendo simultaneamente o traço mais íntimo do ser humano. Afeta a forma de como nos sentimos, o nosso comportamento e os nossos pensamentos. É a busca e a oferta de afeto, prazer, atenção, amor e bem-estar. A sexualidade influencia a autoestima, visto que implica sentirmo-nos desejados e apreciados física e/ou mentalmente por outra pessoa. É algo inato, que pode implicar sentimentos de diversas intensidades, ou que simplesmente serve para satisfazer uma necessidade". Sofia Barbeiro
"A sexualidade é a comunicação entre dois corpos, é o modo como estes se exprimem e comunicam entre si. É algo comum a todos os seres humanos, pois faz parte da sua natureza. Porém, é algo que se exprime de forma diferente em todos. A sexualidade pode ser considerada um meio de comunicação através do prazer e da expressão carnal, sendo o modo de comunicar mais sincero do ser humano". André Rodrigues
"A sexualidade é um conjunto de fatores físico biológicos, culturais e sociais que nos levam à procura do prazer, paixão, aceitação, entre outros. A sexualidade contribui para os nossos estados de espírito, para a descoberta de novas emoções e, consequentemente, sentimentos num processo contínuo que se prolonga ao longo de toda a vida". Pablo Silva
"A sexualidade advém de um conjunto de sentimentos, sensações, estados de espíritos e comportamentos do ser humano que determinam os seus desejos e vontades e a forma como se relacionam consigo e com o meio envolvente. Designa a necessidade biológica e social de o indivíduo expressar a sua intimidade e ser aceite, refletindo-se esta nas suas ações, pensamentos e sentimentos". João Pinto
Ana Lisa Lacerda
Discente do Mestrado em Educação Especial, Especialização no Domínio Cognitivo e Motor, da Escola Superior de Educação de Viseu
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Resumo
O presente artigo visa refletir sobre a temática da deficiência / incapacidade, nomeadamente o caso da Trissomia 21, e particularmente o período da adolescência, com o objetivo de compreender como é vivida a sexualidade e a dimensão afetiva nos adolescentes com Trissomia 21. Nesse sentido, realizou-se uma revisão da literatura tendo sido consultadas diversas referências, tais como livros, artigos científicos e trabalhos académicos, tendo sido também desenvolvido um Seminário integrado no I Ciclo de Seminários Temáticos em Educação Especial subordinado à temática “Os Desafios da Sexualidade em Adolescentes com Trissomia 21”. Desta revisão ressalta a importância de os adolescentes com Trissomia 21 viverem a sua sexualidade desprovida de preconceitos e estereótipos, sendo para isso necessário criar condições para uma efetiva igualdade de oportunidades também a este nível, sob o signo dos valores da equidade e justiça social.
Palavras – Chave: Sexualidade; Trissomia 21, Adolescência.
Abstract
This article aims to reflect on the issue of disability/disability, namely the case of Trisomy 21, and particularly the period of adolescence, in order to understand how sexuality and the affective dimension are experienced in adolescents with Trisomy 21. In this sense, a literature review was carried out and several references were consulted, such as books, scientific articles and academic works. A Seminar was also developed as part of the I Cycle of Thematic Seminars on Special Education on "The Challenges of Sexuality in Adolescents with Trisomy 21". This review highlights the importance of adolescents with Trisomy 21 living their sexuality without prejudice and stereotypes, so it is necessary to create conditions for an effective equality of opportunities also at this level, under the sign of the values of equity and social justice.
Key – Words: Sexuality; Trisomy 21, Adolescence.
INTRODUÇÃO
Se nos pedirem para falarmos sobre a sexualidade, enquanto assunto, só pelo tema em si revela-se logo um desafio. Apesar de cada vez mais nos tentarmos despir de preconceitos e estereótipos, ainda hoje se nota alguma relutância em abordá-la, ou porque é uma questão do foro íntimo e, como se diz, “não se deve falar sobre isso”, ou porque os pais, dentro da educação que dão aos filhos, não se sentem confortáveis pata falar e/ou alertar os mesmos para as questões que despoletam na adolescência, associadas à sexualidade, o que os pode levar a procurar as respostas para as suas perguntas através de outros meios, nomeadamente o grupo de pares ou a internet, pese embora as dificuldades que possam revelar na integração e compreensão e integração das informações obtidas por estes meios. Portanto, se esta temática levanta dúvidas, incertezas, medos e inseguranças para um adolescente, se se tratar de um adolescente com algum tipo de deficiência e/ou incapacidade, tudo o que foi referido anteriormente pode ser vivido com mais desafios. Deste modo, o presente artigo tem como enfoque a Expressão da Sexualidade em Adolescentes com Trissomia 21, ambicionando, essencialmente, conhecer e refletir sobre o estado de arte da temática. Recorreu-se à pesquisa de referências diversas, como livros, artigos científicos e trabalhos académicos. Para além disso, também se teve em conta as reflexões do Seminário integrado no I Ciclo de Seminários Temáticos em Educação Especial, intitulado “Os Desafios da Sexualidade em Adolescentes com Trissomia 21”, que contou com a participação do Enfermeiro e Sexólogo Hélder Lourenço e a Psicóloga, Sara Almeida.
1. Deficiência / Incapacidade: quadro evolutivo do conceito
1.1. Breve perspetiva histórica
Em termos históricos, a deficiência / incapacidade, de acordo com Bautista (1997) remete-nos para três modelos de atuação. O primeiro, o Modelo Médico, teve início no século XIX e expandiu-se até meados do século XX. Era baseado num conceito de deficiência, que compreende as dificuldades como sendo inerentes às pessoas sem ter em conta os fatores externos e/ou ambientais. Quem tivesse algum tipo de deficiência, era excluído. As pessoas com deficiência tinham como única solução adaptarem-se ao meio que, por seu turno, não contemplava as suas necessidades, criando barreiras à sua participação (Barnes & Mercer, 2010). Entretanto, a sociedade começou a adquirir uma maior consciência de que as pessoas com algum tipo de deficiência necessitam de apoio, embora este comece por ter um cariz mais assistencial do que educativo. Este modelo assentava numa perspetiva extremamente individual, que enfatizava a incapacidade de uma pessoa para conseguir desenvolver algo. As pessoas com deficiência são vistas aqui como tendo um papel de paciente passivo, uma vez que as outras pessoas têm de agir e decidir dobre ele. A ideia principal deste modelo é que a pessoa com deficiência é que precisa de ser mudada e não o seu contexto. Assim, entende-se que precisa de serviços especiais, nomeadamente instituições adequadas e medidas adaptativas (Bautista, 1997). Com o tempo, vai emergir o Modelo Social, que tem por base o conceito de incapacidade que entende as dificuldades como não sendo inerentes à pessoa, mas dependendo, antes, das condições fomentadas pelo ambiente social. Tal entendimento decorre da noção de uma responsabilização coletiva quanto ao respeito pelos direitos humanos. Em contraste com a anterior, trata-se de uma perspetiva mais abrangente, integradora e universal relativamente à funcionalidade e incapacidade (Barnes & Mercer, 2010). Subjacente a este modelo, encontra-se um outro tipo de representação social, que não assume a incapacidade como algo inerente à pessoa e que muda o foco de atenção da anomalia ou deficiência para a diferença e conferindo à sociedade o papel de promotora de modelos não estigmatizantes. Como tal, a sociedade passa a ter a responsabilidade de destruir barreiras e de se tornar facilitadora da integração de todos os cidadãos (Bautista, 1997).
Atualmente, predomina o Modelo Biopsicossocial, baseando-se nos conceitos de funcionalidade e incapacidade. Passa-se a entender a situação das pessoas na sua interação com o ambiente físico, social e atitudinal, havendo uma confluência das dimensões biológica, individual e social. É uma perspetiva mais abrangente, integradora e universal (Reis, 2005) que tem como importante impulsionador a aprovação da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), por 92 países incluindo Portugal e 25 Organizações Internacionais, onde emerge o conceito de Educação Inclusiva e é enquadrada a questão dos direitos dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no âmbito dos Direitos do Homem (UNESCO, 1994). Portanto, passa a preconizar-se uma educação inclusiva, uma vez que os alunos com Necessidades Educativas Especiais passam a ter também os seus direitos. Estende-se o conceito de normalização. Em contexto educativo, substituem-se práticas segregadoras por práticas integradoras. Deixa de se falar em escolas especiais e questiona-se a institucionalização, integrando as pessoas com incapacidades nos contextos escolares e laborais de todos (Sánchez, 2005). Em suma, não há uma definição universal da Deficiência, pois existem diversas perspetivas em evolução, sobres este conceito. Referindo dois exemplos concretos no contexto nacional, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (2001, p. 22), a deficiência pode ser entendida como a “perda ou alteração de uma estrutura ou de uma função psicológica, fisiológica ou anatómica.” Já em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2006), ratificada por Portugal em 2009, entende-se o conceito de deficiência de uma forma mais abrangente, incluindo todas as pessoas que possuem incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais – como é o caso da Trissomia 21 - ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.
1.1. Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência
No âmbito desta leitura evolutiva, importa destacar a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência aprovada e adotada em Nova Iorque a 13 de dezembro de 2006 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificada por Portugal em 2009. Esta constitui um marco histórico, uma vez que passa a ser um instrumento legal importante, de reconhecimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, proibindo a discriminação em todos os setores da vida (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2006). Foi adotada devido a um consenso da comunidade internacional, decorrente da necessidade de efetivar o respeito por valores como a integridade, dignidade, liberdade individual e também para reforçar a proibição da discriminação. Esta Convenção teve efeitos extremamente positivos, uma vez que aborda e reafirma princípios universais, estipula as obrigações gerais e específicas dos Estados, tem como objetivo garantir os direitos das pessoas com deficiência e trata as diversas barreiras que as pessoas com deficiência têm de enfrentar. Em todos os aspetos, e no que respeita ao tema deste artigo, a Convenção constitui-se como uma mais-valia, nomeadamente a nível da saúde sexual (Artigo 25º), reconhecendo que toda a pessoa com algum tipo de incapacidade tem direito a viver e experienciar a sua sexualidade, e de beneficiar de serviços e programas de saúde públicos gratuitos ou a preços acessíveis, particularmente na área da saúde sexual e reprodutiva (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2006).
2. A Sexualidade
2.1. Breve enquadramento
A forma de abordar e viver a sexualidade tem vindo a sofrer transformações ao longo dos tempos. Não existe uma única forma de viver a sexualidade, nem há um modelo estruturado face ao qual nos devemos adaptar (Fonseca, 2003). A primeira ideia que imediatamente surge é a repressão. Por volta de 1950 / 1960 a sociedade, nomeadamente a portuguesa, era extremamente conservadora e rígida a este nível. A sexualidade socialmente aceite começou por ser aquela que era vivida dentro do casamento heterossexual e destinada à reprodução e constituição de família (Aboim, 2013). Sob a influência do Estado Novo e da moral católica, a regra era de que a sexualidade teria como finalidade única a procriação (Aboim, 2013).
Depois da revolução do 25 de Abril de 1974, a sexualidade passa a ser mais visível, menos escondida e privada, havendo profundas mudanças, designadamente na forma de falar e viver a vida sexual (Aboim, Vilar, & Maia, 2010). A internet tornou-se num dos principais canais de acesso à informação sobre sexualidade e sexo. Consegue-se invadir a esfera pública e falar-se mais abertamente sobre o tema. O sexo é, portanto, um tema cada vez mais central e público (Fisher, 2001). A sexualidade é uma característica relacionada com a perceção de prazer e está presente desde a vida intrauterina (Carvalho, 2008). As primeiras experiências e relações com o mundo, com o próprio corpo, a perceção do outro, os desejos infantis, as expectativas, os ideais, os conflitos, o prazer e desprazer constituem marcas importantes que serão valorizadas em diferentes fases da construção da vida da pessoa. Envolve componentes morfológicas, fisiológicas, emocionais, afetivas e culturais (Carvalho, 2008). O desenvolvimento sexual é entendido como um processo fulcral, que envolve mudanças físicas, psicológicas, sociais e emocionais quer na pessoa como nas relações interpessoais que se estabelecem, estruturando a pessoa como ser pessoal e social (Alves, Silva & Silva, 2004). As maiores transformações no desenvolvimento sexual ocorrem no período da adolescência, altura em que o corpo sofre um conjunto de modificações que são visíveis a partir da fase da puberdade (Pereira & Freitas, 2001). Os adolescentes com Trissomia 21 não são exceção. Vão viver a puberdade da mesma forma que os pares com desenvolvimento típico, embora com alguns desafios acrescidos no que toca à compreensão do que se está a passar no seu corpo e com as suas emoções, mas também devido à forma como o exterior lida com tais vivências. Constituem-se como um grupo bastante heterogéneo, sendo que a melhor forma de abordar a sexualidade terá de ser sempre de uma forma individualizada e específica (Lourenço, 2019).
3. Trissomia 21
3.1. Uma Caraterização
A Trissomia 21 é uma alteração genética resultante de uma anomalia cromossómica do processo de divisão celular do óvulo fecundado (Palha, 2018). Para acontecer esta anomalia cromossómica é necessário que a divisão celular tenha uma distribuição defeituosa dos cromossomas, ou seja, a presença de um cromossoma extra, três em vez de dois, no par 21. Como tal, é por este motivo que esta síndrome se denomina de Trissomia 21 (Sampedro, Blasco e Hernández, 1997).
A Trissomia do cromossoma 21 pode assumir três formas, a Trissomia homogénea, a mais recorrente, pois 90% das crianças têm este tipo de trissomia. Aqui o erro de distribuição dos cromossomas ocorre antes da fertilização, uma vez que se produz ou durante o desenvolvimento do óvulo, ou na primeira divisão celular ou do espermatozoide (StrayGundersen, 2007). O Mosaicismo, acontece devido a um acidente genético, ocorrendo tendencialmente em 5% dos casos. O erro de distribuição dos cromossomas gera-se na segunda ou terceira divisão celular. Neste tipo de casos, surge uma mistura de células normais e células trissómicas (47 cromossomas). A Translocação, é uma trissomia parcial e não completa, ou seja, embora se constitua também como um erro das células sexuais, há um número normal de cromossomas, embora o cromossoma 21 se fixe a outro cromossoma. Tal como a anterior, a incidência é também de 5% (Vinagreiro & Peixoto, 2000).
3.2. Fatores de risco / etiologia e diagnóstico
Até ao momento não existe uma causa concreta para o erro genético que conduz à Trissomia 21, mas, existem diversos fatores que podem contribuir, tais como os fatores hereditários, a idade da mãe, a exposição a radiações, processos infeciosos, agentes químicos, problemas de tiroide da mãe, deficiências vitamínicas e um índice elevado de imunoglobina e de tiroglobulina no sangue materno (Troncoso & Cerro, 2004). Estas são algumas das possíveis causas mais frequentes, com incidência de 1 em 800 recém-nascidos. Na maior parte dos casos é detetável na gravidez, embora haja casos em que só é possível o diagnóstico após o nascimento (Associação Olhar 21, 2012).
3.3. Caraterísticas físicas e psicológicas
A Trissomia 21 tem associadas diversas alterações, para além das especificidades em termos de aparência física, como a hipotonia (flacidez dos músculos) e o comprometimento intelectual (StrayGundersen, 2007). Apresentam também a fontanela ou moleira maior e como tal leva mais tempo até fechar; algumas áreas com falta de cabelo; a face tem um contorno mais achatado; a boca e os maxilares são pequenos; o palato é estreito; os lábios são grossos e descaídos; a dentição é mais atrasada e os dentes são mais implantados; o nariz é pequeno e tem orifícios mais estreitos; o olfato é nulo; o tórax possui uma saliência no externo: a pele da face e das mãos é levemente arroxeada, seca e áspera (StrayGundersen, 2007).
Em termos psicológicos, apresentam um défice cognitivo que pode ser ligeiro ou moderado e que raramente é grave. Podem existir problemas de desenvolvimento, tais como nos mecanismos de atenção; no estado de alertar, nas atitudes de iniciativa, na expressão do temperamento, comportamento e sociabilidade, nos processos de memória a curto e médio prazo, nos mecanismos de correlação, análise, cálculo e pensamento abstrato assim como nos processos de linguagem expressiva (Troncoso & Cerro, 2004). Para além do aspeto físico e das capacidades cognitivas, importa frisar que o grande “problema” poderá ser mesmo a forma como são olhados pela nossa sociedade. Assim “o grande desafio consiste em, mantendo as caraterísticas de cada um, modificar as mentalidades, por forma a que as pessoas sejam aceites pelas suas qualidades intrínsecas e não pelo seu aspeto exterior” (Vasconcellos, 2018, p. 11). Os desafios da sociedade podem ser particularmente desafiantes quando o assunto é a vivência da sexualidade na Trissomia 21. Estes jovens também têm desejos e necessidades, também querem conhecer o seu corpo e os sinais fisiológicos da sua sexualidade. Há necessidade de afeto, de contacto íntimo com o outro sexo oposto e de um arrebatamento de valores essenciais que lhes propicie uma vivência saudável da sua sexualidade. Sabe-se que ainda existem crenças, preconceitos e tabus, fruto de interligações de ideias pré-concebidas sobre a trissomia 21 e de uma visão fixa da sexualidade no seu geral. É necessário que a sociedade se permita a ver outras perspetivas, mentalidades e que entendam que os adolescentes com trissomia 21 têm o direito de viver, da melhor forma possível, todos os aspetos da sua vida, incluindo a vivência da sua própria sexualidade, pois reprimir ou impedir a sexualidade destes jovens, significa limitar a sua personalidade, uma vez que esta é inerente a qualquer ser humano desde o seu nascimento.
4. Os afetos e a sexualidade em adolescentes com Trissomia 21
Etimologicamente, a palavra adolescência advém da palavra latina adolescere que significa “estar em crescimento”. É compreendida como o período que decorre entre a infância e a idade adulta, tendo como marcos de delimitação, por um lado, o aparecimento dos indícios físicos de desenvolvimento, associados à maturação sexual e, por outro lado, a concretização social da situação de “adulto independente” (Ferreira & Nelas, 2006). A transição começa com a puberdade, um período marcado pelo crescimento e pelo aumento das necessidades de energia.
Entre rapazes e raparigas observa-se um desfasamento no crescimento, sendo que a transição para a puberdade é mais precoce nas raparigas (Ferreira & Teixeira, 2004). Este é um ciclo de transformações profundas, não só no corpo, como também nas relações com os pais e com outras pessoas, na relação com os colegas e outros aspetos do quotidiano, o que faz com que seja um período de dificuldades e conflitos, mas também de experiências e sonhos, sendo assim um processo de transição em que o jovem procura a sua identidade e autonomia. Nesta etapa procura-se a definição da identidade pessoal, aprofundam-se as relações com os pares, intensificam-se os interesses intelectuais, e procura-se um sentido de pertença social (Sampaio, 2006). Antigamente, existia a crença de que os adolescentes com Trissomia 21 não possuíam impulsos sexuais, assumindo-se que o facto de terem uma incapacidade intelectual seria equivalente a uma situação de infantilidade constante (Vasconcellos, 2018). Talvez ainda haja quem assim pense, no entanto, essa está longe de ser a realidade, pois são adolescentes como os demais, que também sentem desejo, impulso, prazer, ou seja, têm necessidades sexuais. É de referir que no que respeita às caraterísticas morfo – sexuais dos adolescentes com Trissomia 21, estes apresentam um desenvolvimento orgânico – sexual lento e incompleto, e num 1/3 dos casos o mesmo não ocorre. Nesse 1/3, verifica-se uma atrofia sexual e falta de carateres sexuais secundários (Vasconcellos, 2018). Quanto à fertilidade dos rapazes, este ainda é um assunto que gera alguma controvérsia, pois há quem defenda que a sua genitália é perfeitamente normal e quem afirme que é relativamente menos desenvolvida, estando associada uma disfunção sexual primária das glândulas sexuais, e, como tal, a uma menor quantidade de espermatozoides. Relativamente às raparigas, a fertilidade está comprovada e é perfeitamente possível, até porque existem diversos casos de reprodução. A menstruação surge na idade habitual, sendo possível a gravidez com uma evolução orgânica normal (Troncoso & Cerro, 2004).
De um modo geral, todas estas alterações morfológicas e sexuais são bem aceites pelos adolescentes com Trissomia 21, uma vez que a mudança não é brusca pois tudo ocorre a seu tempo (Troncoso & Cerro, 2004). A nível psicológico, a atitude dos adolescentes face ao sexo / sexualidade, pode variar, pois tanto podem não mostrar interesse como ter interesse em demasia. Importa assinalar que a conduta sexual também vai depender em grande parte da educação, nomeadamente nos modelos de comportamento que existem no seu meio familiar (Vinagreiro & Peixoto, 2000).
Por vezes, eventuais perturbações sexuais provêm deste meio e não das caraterísticas individuais. Por norma, os problemas ligados à sexualidade dos adolescentes com Trissomia 21 despoletam inicialmente com as raparigas a partir da primeira menstruação, uma vez que os pais tendem a ter um cuidado redobrado com elas, protegendo mais e restringindo a sua liberdade, havendo assim um controlo mais rígido, podendo mesmo chegar à privação da sua relação com o grupo de pares (Vinagreiro & Peixoto, 2000). É claro que tudo isto vai depender muito de família para família, uma vez que cada uma tem as suas crenças e valores. Há quem limite e prive mais e também há o reverso da moeda, em que se incute uma dada liberdade para se poderem “descobrir”, compreenderem melhor e distinguirem o que é bom do que é mau. Como tal, práticas educativas mais rígidas, podem recorrer em qualquer meio, muitas vezes com o intuito de prevenir possíveis consequências, como a gravidez, podendo culminar no extremo do recurso à esterilização. O melhor e o mais correto é terem o auxílio de profissionais especializados no assunto. A incapacidade não deve ser motivo para impedir estes adolescentes de viverem a sua sexualidade bem como as suas relações sociais e integração na sociedade (Vinagreiro & Peixoto, 2000). Assim, e para além do trabalho dirigido às famílias, os profissionais devem ter presente a igual necessidade de desenvolver competências para comunicar os seus sentimentos e as suas necessidades sexuais, para além de os prepararem para os eventuais riscos que possam surgir, como por exemplo as situações de abuso (Almeida, 2019). Ao abordar este tema, é necessário que se vá para além da informação biológica, abordando de igual modo a esfera afetivo – sexual assim como a social e a relacional, naturalmente tendo em conta as capacidades de compreensão de cada adolescente. Assuntos como o relacionamento interpessoal, os fenómenos de enamoramento, a atração física e sexual, a masturbação e orientação sexual, o erotismo, a adequação dos diversos comportamentos sexuais, a comunicação e a violência no namoro, devem ser abordados para que compreendam a sexualidade em todas as suas vertentes. Como tal, é de salientar que a sexualidade pode expressar-se de diversas formas, nomeadamente em termos da vulnerabilidade face ao abuso sexual, a masturbação, orientação sexual, namoro e respeito pelo outro; contraceção, infeções sexualmente transmissíveis e gravidez não desejada O comportamento social dos jovens com Trissomia 21 e as suas manifestações sexuais estão frequentemente interrelacionados (Lourenço, 2019).
Se as interações sociais forem pouco enriquecedoras e se houver a propensão para o isolamento, tudo isto poderá ter implicações na vivência da sexualidade, na consequente imaginação do que poderiam fazer e não o fazem. No entanto, há que frisar que tudo isto é muito relativo (McGuire & Chicoine, 2010).Também também demonstram curiosidade pelas suas alterações corporais e preocupam-se com a sua aparência física, tais como o acne, começar a sentir mais interesse pelo sexo oposto (ou não), sentir que se está a apaixonar, ter o primeiro namoro, ter comportamentos de excitação sexual, ter alterações de humor e sentir vontade de ter mais autonomia e independência (McGuire & Chicoine, 2010). As emoções, o afeto, o carinho e o gostar de alguém, também geram “borboletas na barriga” e apaixonam-se. O apaixonar acontece pelo que a outra pessoa transmite, como o bem-estar, o companheirismo, satisfação, ânimo e o ter alguém para poder conversar abertamente e confiar. É também um expressar de comportamentos, é o dar e receber carinhos, pegar na mão, beijar, abraçar e a preocupação mútua. Também criam fantasias românticas de cariz amoroso, basta que haja pessoas que interajam com eles em determinadas situações, podendo verbalizar que aquela pessoa é o seu/sua namorado/a (Luiz & Kubo, 2007). Pensar a sexualidade nos adolescentes com trissomia 21 é cada vez mais pertinente, uma vez que esta tem uma grande relevância no seu desenvolvimento. Informações distorcidas ou ocultas, só vão contribuir para que se sintam confusos e perdidos. Como tal, é importante focar a necessidade de os pais e demais educadores transmitirem uma educação sexual adaptada, através de informações objetivas, sucintas, ajustadas às capacidades de compreensão e desprovidas de preconceitos, para que se consigam expressar e esclarecer todas as suas dúvidas (Franco, 2012). Viver os afetos, só por si, contribui para a inclusão de todos os adolescentes, nomeadamente com Trissomia 21. No entanto, abordar este tema, continua a não ser uma tarefa fácil, quer para os diversos profissionais, como para os pais e como para o próprio adolescente. Apesar dos avanços que tendem a emergir, importa não esquecer os silêncios, preconceitos e o desconhecimento que persistem face à temática (Franco, 2012).
CONCLUSÃO
Abordar a questão da sexualidade é um grande desafio, ainda para mais quando se trata de desenvolver este tema na adolescência e em pessoas com Trissomia 21. Após esta reflexão e análise, podemos concluir que é imperativo falar de sexo e sexualidade na Trissomia 21. Falamos desta temática num período fulcral da vida de todas as pessoas, a adolescência que é pautada por grandes mudanças, desafios, conflitos, avanços e recuos…mudanças que podem ser abruptas e variáveis, havendo momentos de objetividade e criação e alturas em que existe desordem emocional aliada a um certo negativismo (Ferreira & Nelas, 2006). Pensar esta fase na Trissomia 21, é saber que estes adolescentes, precisam de desenvolver a sua autoestima, o seu autoconceito e o seu valor, para que consigam superar com sucesso os vários obstáculos com que se vão deparar ao longo da vida. É lembrar que têm o direito e a necessidade de expressar os seus sentimentos, desejos e prazer, pois a sexualidade é uma dimensão inerente ao ser humano que não deve ser reprimida sob pena de comprometer o seu desenvolvimento. Falar da sexualidade em adolescentes com Trissomia 21, é saber que é um assunto ainda controverso e que levanta algumas questões. Como tal, cada pessoa tem o direito de assumir e defender a sua posição perante a temática, ou seja, ou ignora e anula a sexualidade; ou tolera, admitindo determinados comportamentos; ou aceita e encara, auxiliando na expressão da sexualidade. Esta terceira via será aquela a seguir. É imprescindível criar meios que viabilizem o direito de ser e viver como pessoas e cidadãos, desenvolvendo no meio envolvente uma maior e melhor compreensão e respeito face à expressão afetiva sexual dos adolescentes com Trissomia 21. É certo que ainda há um longo caminho a percorrer, pois dever-se-ia apostar mais na educação sexual dos jovens com Trissomia 21 e o Estado Português deveria ter um papel mais ativo perante esta temática. É também importante apostar na investigação nesta área, de modo a compreender melhor estas vivências e estabelecer boas práticas profissionais, promotoras de qualidade de vida. É necessário mudar, uma vez que é fundamental compreender cada adolescente como um ser único e especial, que tem as suas necessidades, direitos e deveres comuns a todos os adolescentes.
“Ama quem te acolhe, brinca até seres velhinho, dança, corre, ri-te até perderes o fôlego. Não tenhas vergonha, orgulha-te de seres quem és. Entrega-te à vida e às pessoas sem reservas” (Vasconcellos, 2018, p.199)
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