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Sandra Estêvão Rodrigues (deficiência visual)

Sexualidade & afetos e deficiência visual

 

Vou começar por algumas obviedades que precisam ser interiorizadas por quem ainda não pensou nelas.

1. Como diz a Scout no livro “Por favor, não matem a cotovia”, de  Harter Lee: 

“Acho que só há um tipo de pessoas. Pessoas.” 

 

Assumindo esta verdade incontestável, pelo menos para mim, entre as pessoas com deficiências da visão (dv), existem pessoas hetero e homossexuais, seja no femino ou no masculino, pessoas com maior ou menor necessidade sexual, pessoas com mais ou menos imaginação, pessoas mais ativas ou mais passivas, pessoas que se masturbam e outras que não o fazem… a lista seria imensa. Em suma, existe toda a diversidade de comportamentos sexuais que se verifica no universo dos seres humanos.

Ainda nesta sequência, as pessoas com dv não são anjos assexuados, fazem escolhas, ou pelo menos fazem-nas dentro das suas possibilidades e de acordo com a sua personalidade.

Existe quem observe esta situação do lado oposto: são pessoas mais carentes, mais oferecidas, mais libertinas. Talvez nalgumas situações isto seja verdade, mas acontece que nós não temos as mesmas oportunidades de relacionamento porque os outros até podem desejar-nos, mas tendem a ter medo de um envolvimento que implique um compromisso por anteciparem uma dependência que nem sempre corresponde ao que acontece. Logo, é natural que pessoas com maiores necessidades sexuais aproveitem, por assim dizer, as oportunidades que lhes surgem. 

Permitam-me partilhar a minha experiência quando estive num centro de reabilitação para pessoas com dv. Eu era uma das duas únicas raparigas internas naquele centro, o que significava que os externos iam e vinham diariamente ou em dias estabelecidos. A minha colega, também interna, encontrava-se ausente durante o dia por se encontrar a fazer um curso profissional, e também a maior parte das noites, para estar com o namorado. Internos eram mais uns sete ou oito rapazes, pelo que eu era o alvo privilegiado para declarações de amor e pedidos de namoro, por vezes tão insistentes que tinha de fugir para junto do vigia noturno, que entretanto também me rondava… Felizmente, este desassossego durou pouco porque escolhi um moço para namorar, conseguindo em resposta a zanga de uns e as reprimendas constantes e sem fundamento do vigia.

Devem estar a perguntar-se o porquê de todo este assédio. Pois sim, muitas das pessoas cegas ou com baixa visão estão carentes de uma companhia mais íntima por não serem considerados para essa possibilidade pela maioria das pessoas, ainda que existam já muitas excepções. Prova disso são as inúmeras vezes em que me perguntam se o meu marido também é cego. Que pena que assim seja a nossa sociedade, pois a cegueira é apenas uma das características físicas de uma pessoa como um todo. É assim que, dada a falta de oportunidades, muitas pessoas com deficiência da visão acabam por construir a sua vida com outra com esta mesma característica. Também é verdade que o amor pode surgir naturalmente entre estas pessoas, mas são muitos os casos em que o ponto de partida foi uma cumplicidade alicerçada nas mesmas dificuldades.

Geralmente, sinto que os meus sentimentos não têm qualquer importância perante a “graça” que me foi concedida por ter sido escolhida para companheira de uma pessoa sem deficiência. A forma como os outros se expressam fazem do meu marido um santo e de mim uma felizarda que ganhou no euro-milhões o que, em boa verdade, nada abona em favor da minha auto-estima.

Voltando-me agora para as especificidades, estas serão muito simples de compreender.

Imagine fazer amor com a luz desligada ou com pouca luz. Num contexto destes, são os outros sentidos que nos aproximam do outro, que nos podem dar prazer: cheirar, saborear, tocar, ouvir ou dizer declarações de amor, ou até palavrões, tudo depende dos gostos e das inspirações. O que não acontece da mesma forma é o contacto visual, mas se nos sentirmos reconfortados com tudo o resto, esta ausência nem se verifica.

Para uma pessoa que aprecie lingerie, espelhos, a observação do corpo do outro, as expressões faciais, o efeito do uso de brinquedos ou acessórios sexuais, pode ser frustrante estar impossibilitada de satisfazer estas vontades. Contudo, a lingerie e o corpo do outro podem ser apreciados com o tato, as expressões faciais são muitas vezes acompanhadas por manifestações orais e a imaginação de cada um permitirá introduzir variantes que o estimulem, tal como é o caso da música, da massagem, de velas aromáticas… há que pôr a imaginação a trabalhar.

Uma pessoa com dv não tem necessariamente de ser melhor ou pior parceiro sexual. Tudo depende do que já foi dito acima. Compatibilidade sexual nada tem a ver com a visão, mas com características anatómicas e resposta a estímulos. 

Da mesma forma, os afetos são estabelecidos pelos limites do que cada um de nós está capaz de dar e de receber. Diz-se que são cinco as linguagens do amor: verbalizações, toques ou afagos, fazer algo que o outro precise ou goste, oferecer presentes e passar tempo de qualidade juntos. Desde que estas linguagens sejam compatíveis, pelo menos metade do sucesso da relação está garantido.

 

Sandra Estêvão Rodrigues

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