O papel do Serviço de Apoio Ambulatório Local na política de habitação
- Escrito por Sofia Pires
- Publicado em Portugal
O Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) foi uma das medidas mais emblemáticas da história das políticas de habitação em Portugal e surgiu como uma resposta às condições precárias de moradia enfrentadas por milhares de portugueses. Foi instituído a 31 de julho de 1974 pelo Ministro da Administração Interna, Costa Brás, em conjunto com o Secretário de Estado da Habitação e do Urbanismo, Nuno Portas.
Gonçalo Antunes, especialista em políticas de habitação, descreve o programa como um marco essencial. “O SAAL foi muito importante, mas durou muito pouco”, comenta. Apesar de sua curta existência – encerrou em 1976 – o impacto da iniciativa ainda é celebrado por especialistas e pela população.
O SAAL tinha um propósito claro: erradicar as barracas e garantir condições dignas de habitação para os mais pobres e, segundo Gonçalo Antunes, “era uma medida realmente para os mais pobres, disso não havia dúvida nenhuma”. Esse objetivo marcava uma rutura com as políticas habitacionais do Estado Novo, que priorizavam projetos limitados e pouco acessíveis.
A inovação do SAAL estava na respetiva abordagem comunitária. O programa envolvia diretamente as populações residentes nos bairros degradados, permitindo que estas colaborassem no processo de planeamento e construção das novas habitações. Era, como ressalta Gonçalo Antunes, “uma tentativa de criar habitações que fossem ao encontro das reais necessidades das famílias”.
“Durante o Estado Novo e, na verdade, toda a experiência internacional de políticas de habitação social eram aquilo que nós chamamos top-down, ou seja, a administração pública decide, os técnicos decidem, e a população é realojada para onde os técnicos e a administração pública decidirem”, descreve.
O SAAL inverte este procedimento e aponta para uma abordagem bottom-up: “O SAAL, na altura, conseguiu uma grande projeção internacional porque realmente invertia toda a lógica e dava voz a quem nunca a tinha tido, que eram os mais pobres entre os pobres, que viviam em barracas.
“Então, o SAAL, do ponto de vista metodológico, do ponto de vista qualitativo, era completamente disruptivo em relação a tudo, em relação a toda a experiência nacional anterior e internacional também”. Gonçalo Antunes
“Ou seja, eram as populações que viviam nos chamados bairros de barracas que se tinham que auto-organizar em associações ou cooperativas”, diz Gonçalo Antunes. Depois acionavam o Fundo de Fomento da Habitação que enviava “uma brigada multidisciplinar” aos bairros para falar com as pessoas. “O que é que querem construir? Como é que querem construir? Como é que querem que seja o novo bairro? Como é que querem que sejam as novas habitações?”, exemplifica.
Álvaro Siza Vieira, Eduardo Souto de Moura e Gonçalo Byrne são alguns dos arquitetos que ajudaram a criar bairros sociais que respeitavam a identidade cultural e as necessidades das comunidades, ao contrário de modelos padronizados, frequentemente, vistos em projetos habitacionais que hoje são referências internacionais em habitação social.
O programa enfrentou uma forte resistência política e institucional, especialmente após a estabilização do regime democrático em 1976. “O SAAL era um bocadinho a apologia da democracia direta e não propriamente da democracia representativa e começou a ser acusado de estar muito relacionado aos partidos mais à esquerda”, contextualiza em termos políticos. “Ou seja, muitas vezes, as chamadas brigadas que iam falar com a população, não só iam para tratar de assuntos técnicos e articular aquilo que a população queria e aquilo que realmente era possível fazer, mas iam fazer também propaganda política”, analisa.
Quando o país entra na chamada fase de normalização democrática, em 1976, dá-se então o encerramento do programa em reflexo das mudanças nas prioridades políticas da época.
Portugal passou por várias transformações políticas, alternando entre monarquia, república e regimes autoritários. A democracia contemporânea assenta numa Constituição que no artigo 65 prevê o direito à habitação. “E nem todas as constituições dos países democráticos preveem o direito à habitação na sua Constituição, portanto, o direito à habitação que nós temos é um direito social dentro dos direitos económicos, sociais e culturais”, sublinha Gonçalo Antunes.
Da maior intervenção do Estado para enfrentar o défice habitacional e a proliferação de bairros de barracas até à criação do Instituto Nacional de Habitação (INH), responsável por promover habitação social, passaram oito anos. Deu-se em 1984.
Quase uma década depois surge o Programa Especial de Realojamento (PER). Criado em 1993 para eliminar bairros de barracas, realojando populações em habitação social nas periferias urbanas, este programa marcou o auge da construção de habitação social em Portugal, mas foi alvo de críticas pela segregação social. O PER transformou a paisagem urbana e social das áreas periféricas das cidades, mas gerou também desafios relacionados com a integração social, o urbanismo e as condições de vida nas novas habitações.
Este programa concentrou-se, principalmente, na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e, em menor escala, no Porto, pois eram as regiões mais afetadas pela habitação precária. Depois dele, refere o geógrafo, as políticas da habitação, “do ponto de vista da evolução do direito à habitação em Portugal” estiveram “muito tempo esquecidas”. “Desde o final dos anos 90 em que nós tínhamos resolvido, de certa forma, a questão dos chamados bairros de lata e dos bairros de barracas e depois, a partir daí, praticamente não tivemos mais políticas de habitação”.
Surgiram incentivos à reabilitação de edifícios degradados em centros históricos e houve uma expansão do crédito à habitação, que facilitou o acesso à compra de casa, mas aumentou o endividamento das famílias.